sábado, 31 de outubro de 2009

Um pouco de mim...

Passei muito tempo dormindo.  Dormindo, mas, não dessa forma literal que todos entendem, mas fechada num mundinho particular, cheio de redomas, protegida pelo excesso de zelo da família. Mas, com meu jeito simples e perseverante soube chegar devagar e me fiz enxergar. Às vezes de maneira tosca, outras vezes singela, quase sempre docilmente presente em qualquer espaço. Por ter um caráter dócil não soube ousar no momento exigido, ou quem sabe tenha feito sem consciência exata da situação. Mas, como saber se isso foi defeito ou apenas a forma diferente de intervir? Na verdade não se deve lamentar nada. Tudo é aprendizado. Os erros são nossos melhores conselheiros. Isso já está provado cientificamente por estudiosos renomados. Bem diz Piaget!
Comecei a esboçar esse texto para imprimir alguns sentimentos e pensamentos que pedem um registro. Rs...Todavia, acredito que essa pagina não seja suficiente para recebe-los, pois as idéias ficam atropeladas e a habilidade de escrita e pensamento são muitos distintas e possuem velocidades diferentes. Mas vamos lá... Faz parte do treinamento. Voltando ao meu assunto sobre o meu despertar, foi lento e como tudo na vida, ele não ocorreu de maneira linear. Precisei de impulsos, de pesquisa, de aprimoramentos, testes e provas.
Em relação à deficiência física meu aprendizado tem sido avassalador. Momentos de angustia, muitas perguntas, algumas respostas e muitas outras perguntas ainda não respondidas permanecem em mim. Ao mesmo tempo em que precisei protagonizar esse papel em toda minha trajetória infanto-juvenil, adolescência e pós-adolescência deixaram-me muitas vezes me sentir excluída da maior parte dos eventos da vida social. Contudo isso na verdade foi uma forma absorvida por meu próprio pré-conceito. Escrevo para exorcizar muito desses fantasmas do passado. Escrever me faz bem. Pois, descobri que escrevendo consigo organizar os pensamentos em linha reta e assim tenho conseguido me ouvir melhor.

Quando falei em letargia, foi a maneira que encontrei para construir essa ponte à qual precisei edificar ao constatar minhas perdas e ganhos com a distrofia muscular. Precisei ponderar: ou ficava em casa, reclusa, excluída, invisível, tendo pena de mim mesma e esperando por um milagre, ou voltaria à vida, explorando meus potenciais. Felizmente algo desafiador aconteceu em 2004. A vida é cheia de desafios. Estamos em constantes desafios, e num desses momentos de desafio fui “pressionada” pela família a aceitar um papel ativo na cena publica: candidatar-me a vice-prefeitura da cidade de Uruoca. Entendi que naquele momento precisava levar minha voz e deixar-me ouvir. No instante das emoções isso as vezes é totalmente incompreensivel para nossa razão, porém, após os momentos de reflexão percebo que nada é por acaso.  Lembro que esse processo me possibilitou um crescimento pessoal e social. Entendi que minha formação escolar, minha trajetória de vida, minha família tinham fornecido um grande alicerce para a formação dessa mulher forte e guerreira.
Uma coisa que me fazia ficar triste e rejeitar ainda mais minha condição física era encarar a cadeira de rodas. Esse chamado veio para apressar e facilitar esse processo de mudanças. Comecei a aceitar e até me sentia confortável na cadeira, pois, a mobilidade ficou facilitada e podia chegar mais rapido e fazer muitos trajetos. E assim, a cadeira de rodas passou a ser encarada como uma forte aliada e complemento do corpo, me permitindo sair com mobilidade, ir a restaurantes, cinema, igreja, etc e tal. Sendo assim, a percepção que tenho hoje é de que a deficiência tem me dando a chance do autoconhecimento. Tenho uma vida interior muito intensa. Gosto de esmiuçar a dor, a alegria, enfim gosto de gente. E também sou muito visceral. E não consigo encarar um espelho! Ainda me estranho muito. Porque na mente ainda me vejo como aquela garota ativa que corria, subia em arvores, em cercas, se banhava em riachos, açudes e tinha uma total independência. Por isso entendo que muito da beleza está no charme dos movimentos. Mas consegui ganhar muito em expressão facial. Consigo me expressar melhor no sorriso e no olhar que expresso.
Geralmente passo a imagem de uma pessoa que consegue se motivar e que consegue ensinar isso para as pessoas, e com veracidade. Não uso isso como balela e saio por aí dizendo vamos lá. Vamos em frente que atrás vem gente..rsrs...Mesmo na dificuldade consigo atuar na vida com desenvoltura e isso ocorre de maneira natural. É uma atitude que gera nas pessoas esse sensação, e isso desperta algo positivo nelas. Percebem que existe muita alegria em viver a vida, mesmo estando em uma situação que, de acordo com os parâmetros da maioria era para desejar a morte.
Portanto, concordo com a Mara Gabrilli (vereadora paulistana) precisamos atuar pedagogicamente na sociedade e propor um aprendizado reflexivo sobre o comportamento das pessoas em sociedade. As pessoas precisam enxergar essas pessoas diferentes? Conseguir pensar em formas de incluir pessoas com surdez, cegueira, cadeirantes, anãos. E experimentar o sentimento de fraternidade, civilidade, convivência e coletividade. E assim, tirar da invisibilidade esse segmento de pessoas as quais também me incluo.

2 comentários:

  1. Belas palavras, belas e sentidas. E poéticas.

    bjsss

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  2. Ainda bem que você teve a coragem de sair desse casulo e mostrar a pessoa doce (apesar de não conhecer muito, é uma impressão que me passa) que é... Um beijo cheio de respeito por você...

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